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Sou participatHIVo: João Netto fala sobre o amor em tempos de sorologias positivas



Nascido no interior de Goiás, no seio de uma família acolhedora, porém muito conservadora, aos 10 anos de idade mudou-se com a mãe e o irmão para a capital, Goiânia, onde foi percebendo sua homossexualidade e todos os desafios inerentes a ela. Aos 17 anos, iniciou seu primeiro relacionamento com outro rapaz, com quem ficou por três anos. Logo depois, aos 20 anos, começou um segundo relacionamento, quando se envolveu com um homem 10 anos mais velho, com quem se mudaria para Petrópolis.


Essa é a trajetória inicial da vida de João Geraldo Netto (@nettinhos), PVHIV, influenciador e ativista. “Decidimos entrar na academia e ir ao médico pedir um check-up, que nos pediu exames gerais e incluiu alguns para investigar infecções sexualmente transmissíveis (ISTs)”, diz. “Meu exame de HIV veio positivo e o do meu companheiro foi negativo. Foi muito assustador, principalmente porque não sabia havia quanto tempo poderia estar infectado, uma vez que o relacionamento era fechado e eu não tinha me relacionado com mais ninguém. Logo, poderia já estar adoecendo gravemente, com ao menos seis anos infectado”, relata Netto. Felizmente, em seu caso, o influenciador buscou ajuda médica rapidamente e descobriu que sua saúde estava satisfatória, como vem se mantendo desde então. No entanto, muitas pessoas não têm a mesma sorte, inclusive o acesso ao teste.


Início do tratamento


Quando foi diagnosticado em 2008, Netto conta que não podia tomar os medicamentos, pois, na ocasião, só eram ofertados a pessoas que apresentavam imunidade (taxa de CD4) muito baixa ou carga viral muito alta. “Não apresentava nenhuma dessas indicações consideradas na época”, comenta. “Fiquei sem tratamento por dez anos e admito que fiquei bastante ansioso, pois nunca sabia quando os exames iam piorar e era muito assustador esperar a doença aparecer para, então, começar a me tratar.” Netto só pôde iniciar o tratamento no início de 2013, quando o último consenso médico definiu que pessoas em relacionamento sorodiferentes poderiam ser submetidas à terapia antirretroviral (TARV), mesmo sem indicações de baixa imunidade e quantidade alta de vírus.


Se seu diagnóstico tivesse acontecido mais recentemente, ele poderia ter acesso imediato ao tratamento, seu namorado poderia ter acesso à profilaxia pré-exposição (PrEP) e João não teria vivido o medo de transmitir o vírus para alguém a cada relacionamento mais íntimo. Além disso, teria acesso às pessoas que falam sobre isso na internet. “Quando comecei a me expor publicamente, fui a primeira pessoa no Brasil a ter um canal sobre a vida com HIV. Recebo retorno de muitas pessoas que dizem o quanto as influenciei para que pudessem enxergar as coisas de um jeito um pouco mais tranquilo. Afinal de contas, acompanhar alguém com o mesmo problema de saúde falando abertamente sobre isso traz, sim, segurança”, diz.


Revelação do diagnóstico


Seu namorado, à época, foi o primeiro a saber, até porque, conforme explica Netto, se estava infectado, provavelmente ele também estaria, já que não adotavam o uso de preservativo desde o início da relação. No entanto, o resultado dele foi negativo. A revelação à sua irmã e à mãe aconteceu seis meses após o diagnóstico, no fim de 2008. Os demais amigos e familiares vieram a saber em 2010, quando ele participou de uma campanha do Ministério da Saúde, em que revelou publicamente a sorologia positiva.


Netto relata que sua família foi muito acolhedora. Tanto pais e irmãos quanto primos, tios e amigos o apoiaram muito. Ele lembra que muitos deles tinham medo, porque um primo que era usuário de drogas injetáveis havia falecido em decorrência da Aids duas décadas antes. Mas, explica, “a maioria demonstrava curiosidade, porque nunca tínhamos tido alguém que falasse abertamente sobre isso. Foi então que comecei a estudar profundamente sobre o assunto e percebi que tinham muitas pessoas que não entendiam absolutamente nada da infecção.


O influenciador e ativista conta que, ao saber do seu diagnóstico, ficou extremamente envergonhado: “Veio à cabeça toda aquela imagem construída por décadas do que era ter HIV, como a imagem do Cazuza que ilustrava as revistas ou as informações absorvidas na escola”. Porém, no dia seguinte, ele já queria revelar para todo mundo, pois sentiu que podia fazer algo diferente. Netto trabalhava como voluntário em uma ONG que atendia crianças vítimas de violência e isso já havia despertado seu interesse pelo estudo da sexualidade e dos Direitos Humanos.


Vida afetiva pós-sorologia


Como vivia um relacionamento estável, Netto não passou por grandes alterações por conta do diagnóstico. O que mudou, basicamente, foi a inclusão da camisinha em todas as relações sexuais. Algum tempo depois, ele começou a falar publicamente sobre sua sorologia.


Imediatamente, ele iniciou outro relacionamento sorodiferente, mas, como seu parceiro já tinha visto coisas sobre HIV que Netto postava na internet, ele não precisou “sair do armário da posithividade”.


Foi um relacionamento muito saudável, que culminou em um casamento e que durou outros 9 anos”, relata. Atualmente, ele tem um namorado e conta que o relacionamento não sofre interferência do diagnóstico. “Acredito que o fato de eu falar abertamente sobre isso deixa portas abertas para pessoas que estão um pouco mais dispostas a compreender o assunto”, reflete.


Estigma e preconceito


Netto afirma nunca ter enfrentado situação real de discriminação, exceto uma vez em que um rapaz se negou a beijá-lo assim que revelou sobre o HIV. “Não cheguei a perceber nenhuma outra situação que me deixasse chateado. Tive oportunidades que me colocaram em uma situação muito confortável para falar sobre viver com o HIV. Hoje, posso conversar sobre isso e me expor sem sofrer tanto”, diz. Ao mesmo tempo, ele acredita que o fato de viver relacionamentos longos e duradouros o impede de uma grande exposição a novos relacionamentos, o que poderia aumentar as chances de um problema.


Apoio multi


Netto relata que seu primeiro médico foi um profissional muito mal preparado. Ele minimizou a importância da infecção, desmereceu suas preocupações e demonstrou pouco interesse em suas questões. “Ele nem chegou a me tocar na anamnese”, conta. Felizmente, o médico seguinte que o atendeu foi um profissional extraordinário. "Superou todas as minhas expectativas e me ajudou a cuidar da minha saúde por muitos anos.


A sociedade mudou?


As maiores mudanças ocorridas no mundo da aids, nos últimos anos, foram o acesso universal ao tratamento, em qualquer momento da infecção, e informações sobre a não transmissão do vírus de quem está mantendo a carga viral indetectável (indetectável = intransmissível por vias sexuais). “Isso mudou a minha vida e a de inúmeras pessoas que enfrentam o HIV”, comemora. Em relação à educação e à redução do estigma, ele acredita que houve pouco progresso. “As barreiras conservadoras contra a educação sobre sexualidade se tornaram intransponíveis”, analisa. O estigma e o preconceito continuam como no início da pandemia. A diferença básica é que, agora, mais pessoas falam sobre o assunto, mas em todo o mundo PVHIV continuam tendo direitos básicos negados por conta do preconceito.


TARV – indetectável = intransmissível* e relacionamentos


Netto se lembra do dia 15 de junho de 2015, quando teve acesso à informação de que a carga viral indetectável torna a PVHIV intransmissível por vias sexuais. “Essa foi a maior mudança que tive na minha relação com o HIV. Para mim, viver feliz com minha sexualidade é algo essencial e a falta dessa informação continuava me deixando receoso nos meus relacionamentos. Hoje, entendo que, tendo acesso ao tratamento e aderindo aos medicamentos, consigo me desligar do HIV e trazer segurança para mim e meu namorado”, explica.


Uma dose de Otimismo
"É complicado deixar mensagens positivas para quem se sente inseguro após um diagnóstico. O medo é grande, são muitas coisas que vêm à cabeça e a insegurança pelo que está por vir é algo real e verdadeiro. Entendo que são vários fatores que podem interferir na maneira como vamos viver essa nova fase, mais posso dizer que existe vida com qualidade após o HIV. Muitas pessoas que decidiram aceitar bem essa relação com o vírus conseguiram se sentir acolhidas, amadas e realizar todos os sonhos que tinham antes do diagnóstico. O acesso ao tratamento no Brasil é totalmente gratuito e isso pode incluir a ingestão dos medicamentos, mais também algumas mudanças no nosso estilo de vida e um melhor autocuidado. Nosso maior inimigo nessa luta não é o HIV, mais nós mesmos, quando deixamos de nos cuidar por causa do autopreconceito e de tudo de ruim que isso pode nos fazer."
João Geraldo Netto (@netinhos)

Fonte: GSK - Participathivos: Sou participatHIVo: João Netto fala sobre o amor em tempos de sorologias positivas

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